Conversa inesperada com um Cubano sobre a política da ilha

Abóbadas e arcos em prédio antigo de Havana

Era cerca de 19h, tinha acabado de anoitecer, quando, já perto de casa, paramos na Coppelia (sorveteria estatal cubana). Na fila para entrar, conhecemos um cubano que, logo de cara, já começou a falar de política conosco. Como um de meus objetivos era justamente esse (conversar de política com os cubanos) pegamos uma certa amizade e entramos juntos na sorveteria. Foi o início de uma das longas conversas políticas que tivemos com cubanos (alguns contra e outros a favor do regime). Desde o início da conversa ele já se mostrou bastante contrário ao sistema cubano de governo. Eu e minha namorada, apesar de nossas opiniões serem bastante parecidas neste sentido, começamos a discordar de algumas coisas entre nós. Não sei se ela estava fascinada pela oportunidade de falar abertamente sobre alguns assuntos políticos com um cubano e passou a concordar com muito do que ele dizia, mas tivemos um leve desentendimento (entre eu e ela). O cubano disse que um dos principais problemas do país era o preço dos alimentos. Também reclamou da falta de liberdade na mídia, monopolizada. Concordei. Na minha opinião também é um dos piores problemas, mas, expliquei que isso é devido às campanhas de desinformação dos ianques, que não é exclusividade de Cuba e que no Brasil basicamente oito famílias controlam a mídia e também há muitos casos de censura, mas, não é oficial. Diferentemente da censura cubana, amplamente divulgada pelos órgãos americanos e alinhados, no Brasil, a maior parte da população desconhece e acredita que a censura acabou com a ditadura, sem conhecer blogs tirados do ar pela “justiça” e jornalistas perseguidos por milícias ou pistoleiros. Apesar de estarmos conversando em grande tom de amizade com o cubano (que fez questão de nos pagar o sorvete), o desentendimento entre eu e minha namorada só aumentava. Ela disse que a censura no Brasil, não tinha comparação com o que ele dizia, pois, nós gozávamos de liberdade política para dizer o que quiséssemos. Eu expliquei que esta era a versão oficial, mas, que não era bem assim. Provavelmente ela não conhecia as histórias de sites censurados, condenados a pagar multa, tirados do ar ou com os responsáveis presos ou assassinados simplesmente por noticiar coisas que algumas pessoas não queriam que fossem divulgadas, como os que se atrevem a falar de assuntos complicados. Também expliquei que o Brasil era um dos países onde mais tem jornalistas assassinados no mundo, mas, não foi suficiente para convencer que no Brasil também existia censura.

Rua Brasil em Cuba
Rua Brasil no centro de Havana Velha – Cuba

Argumentei que se a censura em Cuba não existisse, provavelmente o governo atual já teria caído com a propaganda política ianque, citando como exemplo a ZunZuneo (que ela não conhecia). A cada exemplo que eu citava, apesar de falar da maneira mais serena possível pois sabia que o assunto era complicado, a impressão é que o cubano ficava bravo mas tentava se conter, pois, eu continuava calmo. Minha namorada começou a discordar de tudo que eu dizia argumentando que, como ele morava lá, tinha mais base para falar. Logo que entramos para tomar os sorvetes, um funcionário nos mostrou um local onde poderíamos sentar, visto que estava chovendo. O cubano que pegamos amizade começou a explicar: Veja como é em Cuba. Você não pode simplesmente sentar onde deseja. Eu não tinha percebido isso. Para mim, parecia uma mera formalidade do funcionário. De qualquer forma, sentamos em um local diferente do indicado pelo funcionário da estatal de sorvetes e ninguém disse nada nem pareceu olhar com cara de que algo estava errado. Nosso amigo cubano então nos perguntou sobre o preço do feijão no Brasil. Nós dois brasileiros não sabíamos com exatidão, pois, estávamos em um período em que o feijão estava sendo apontado com pivô da inflação no Brasil e o preço exato estava variando bastante. Ele nos contou que Cuba passou por um período difícil elevando o preço do feijão a patamares impagáveis pelo cubano comum. Eu disse que realmente era difícil, mas, um sistema de governo não poderia ser avaliado somente pela riqueza do país, sim pelas ideias, pois, além de existir sabotagem de grandes empresas e indústrias multinacionais e do próprio governo americano, o que deve mesmo ser avaliado é se as políticas são ou não destinadas para o povo e que boa parte da culpa da relativa pobreza cubana se devia ao bloqueio econômico imposto pelos EUA.

Foto tirada de dentro de coletivo Cubano com imagem contra o bloqueio econômico
Foto tirada de dentro de coletivo em Havana, com a imagem de Cuba combatendo o bloqueio econômico imposto pelos Estados Unidos desde 1960

Argumentei também que o próprio Estados Unidos serve como exemplo de que a riqueza de um país não diz se as políticas são boas, pois, mesmo sendo o país mais rico do mundo, não necessariamente tem o melhor IDH nem o melhor sistema político, pois, além de trazer guerras, eles não são ricos por terem boa política interna, boa parte da riqueza imperialista vem da exploração de outros países. Então ele mudou de assunto e comentou sobre o programa mais médicos dizendo que não era justo o governo cubano ficar com parte dos salários dos médicos. Respondi dizendo que a contribuição servia para ajudar países que mais precisam, citando os médicos cubanos no Haiti cuidando da epidemia de cólera, coisa que outros países do mundo não se preocupam. A cada citação do cubano, eu respondia da forma mais amigável possível, pois, sabia que seria uma opinião contrária, mas, não queria acabar com a conversa demasiadamente interessante. Mesmo com eu e ele tentando manter o melhor clima possível, ele visivelmente começou a perder a paciência. Nos explicou que não gostava do próprio nome, pois se chamava Ramón e sofria chacota por ser o mesmo nome de um dos 5 antiterroristas que, em Cuba, são tratados como heróis nacionais. Então perguntei: Mas, para você, não são heróis? Ele me explicou que não são, pois, sabia de pelo menos um caso de assassinato praticado por um dos cinco. Explicou um caso que não entendi muito bem (e também não encontrei na internet) de um cidadão cubano que foi deixado para morrer em um pequeno avião que foi derrubado. Como ele já tinha começado a se alterar um pouco, começou a falar mais rápido e, apesar de entendermos relativamente bem o espanhol, começamos a perder algumas palavras. Quando eu disse que, se o cubano que morreu no avião que caiu era um cubano que vivia em Miami, será que ele poderia ter alguma relação com a CIA? Depois disso ele realmente ficou alterado. Eu disse que se os demais cubanos que faziam parte dos 5 ficaram presos sem motivo comprovado nos EUA, isso era notavelmente injusto, pois, não podiam nem mesmo receber visitas de familiares e até os países europeus aliados dos EUA condenavam a prisão dos 5. Depois disso, o cubano simplesmente saiu andando sem se despedir, apesar de eu sempre tentar manter o clima bom, falando pausadamente, somente expressando minha opinião mesmo, sempre dizendo que estava adorando a conversa e elogiando a oportunidade de falar sobre isso. Na volta, eu e minha namorada fomos discutindo, pois, ela achou que minhas palavras não foram certas, mas, eu estava de consciência tranquila, pois, realmente só queria conversar e só expressei minhas opiniões sinceras. Já no caminho para casa, enquanto eu e minha namorada discutíamos, o cubano que ficou conversando conosco passou em sentido contrário, na mesma calçada. Ele parou um pouco na nossa frente, como se fosse dizer algo, mas desistiu e disse algo como: Deixa para lá.

Ainda enquanto eu e minha namorada discutíamos, entramos para comer em um restaurante com tema em homenagem ao Charles Chaplin. Fizemos as pazes no restaurante após chegarmos à conclusão de que não chegaríamos a um acordo por ser um assunto realmente complexo, depois de tomarmos uma deliciosa sangria.

Este foi o primeiro cubano com quem conversamos sobre política durante nossa viagem e a opinião dele nos fez pensar que a maioria dos cubanos possuem opinião igual ou parecida, mas, não foi o caso.

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